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terça-feira, 2 de julho de 2013

Perfume.


Por: Franz Lima.

Nunca vou me cansar. Acredite! Cada dia sempre será uma renovação do meu amor por você. Vê meus olhos cansados e fundos? Eles são fruto do que sinto. Não consigo dormir. Já estou há quase cinco dias sem descansar, pois tenho medo de não despertar. Tenho medo de perdê-la.
Alguns podem levar esse amor para o lado ruim, enquanto outros tenderão a me criticar pelo excesso de meus atos. Que fiquem com suas críticas. Que fiquem com suas vidas fúteis e seus amores rasos. Eu nasci para amar... você.
O destino nos uniu e é com você que sou feliz. São apenas algumas semanas juntos, mas como mensurar o tempo quando há tanto em jogo? Para nós, o tempo parou.

Eu levanto e a vejo deitada, perfeita e bela. Seu rosto reflete os poucos raios de sol que invadem nossa privacidade. Em silêncio, vou até o fogão e preparo um café-da-manhã reforçado. O cheiro é ótimo, porém nunca chegará perto do seu perfume. Como é bom sentir o aroma da sua pele invadindo minhas narinas. Como é bom tocar seus lábios. 
Sei que não está com fome. Ligo a TV e deito-me ao seu lado. Transpiro felicidade por tê-la comigo. A fome some e dá lugar ao desejo. Nós nos amamos...
Seus líquidos escorrem por meus dedos, que sorvo com prazer. A entrega é total. Somos um. Somos indivisíveis.
Desperto algumas horas depois. Ainda sinto a exaustão do amor feito. Levanto novamente e a deixo em paz. Um bom banho irá me restituir as forças. Logo você também irá se banhar, mas, por enquanto, prefiro que fique deitada. 
Saio do banho e sinto o estômago roncar. A fome se aproximou rápido, creio que por termos gastado tanta energia amando. Dessa vez, sei que irá comer comigo. Preparei uma deliciosa carne e levo para você na cama. Entretanto, sua recusa me ofende. Por que não quer se alimentar? Preciso de você, meu amor, forte e disposta. Coma, por favor.
Um som de explosão me assusta e deixo cair os pratos com nosso alimento. A porta do meu apartamento está destruída parcialmente. Quem teria a petulância de invadir nosso leito? A fumaça começa a tomar o apartamento. Vozes cheias de ódio ecoam por todos os cantos. O que diabos está acontecendo? 
Sem enxergar, vou tateando pelo canto da parede. Ainda bem que meu amor está protegida disso tudo. Não vou permitir que a machuquem. Você é...
Tudo cessa repentinamente. Parece que o tempo está parado. Meus dedos estão dormentes. O que está acontecendo?
Minhas pernas fraquejam. A visão cede espaço à escuridão. O silêncio me abraça. Olho para trás e, antes de cair, contemplo mais uma vez sua beleza. Eu a amo...

O homem de farda se abaixa e toca o pescoço do indivíduo. Não há pulsação. Perto da mão direita do morto, há uma faca para carnes. Contudo, os sinais de violência no ambiente jamais iriam sobrepor os odores do apartamento. Conforme descrito pelos vizinhos, o cheiro de algo podre estava insuportável, mas isso era apenas uma ínfima parcela do que eles podiam sentir. O que eles estavam por ver, certamente, seria ainda mais chocante. 
Na cama, deitada, jazia uma mulher. O corpo estava nu e em decomposição. O cheiro era insuportável, um verdadeiro perfume cadavérico, segundo os técnicos em necrópsia. Pedaços do corpo da mulher faltavam, lascas de carne. No exame do corpo do assassino, encontrou-se restos do corpo da vítima dentro do estômago dele. Era um cenário de puro terror.
Entretanto, o que era mais sinistro em toda essa história era a frieza do homem que sequestrou e deixou a mulher morrer de fome e sede. Ela foi estuprada múltiplas vezes e teve partes de seu corpo comidas enquanto ainda estava viva. Segundo uma carta encontrada no apartamento, essa era a única maneira para que eles se tornassem uma pessoa. Uma espécie doentia de comunhão que, dentro da mente do matador, equivalia em importância ao ritual católico que simbolizava a ingestão do corpo de Cristo. 
Doentio, sem dúvidas. Mas nunca na mente do homem que deturpou o sentido da palavra 'amor', por realmente amar.




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