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domingo, 28 de abril de 2013

Um poema para a imortalidade



Doce Annie, vinho que me aliviou as mazelas desse mundo de tantas desgraças no qual já chegamos com pranto copioso, o que farei de minha vida agora? Não sei o que responder neste momento de dor incalculável. Em minha cólera, posso apenas destruir o meu aposento, único meio que consigo enxergar para obter um alívio da dor de minh’alma.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

A Vingança de Kali - Parte Seis

Não Fique Perdido.Leia antes Parte I, Parte II, Parte III, Parte IV e Parte V




Conto por: Tatiana E Karen


Emanuel ouviu aquelas palavras e sentiu o sangue gelar.

– O que ta acontecendo aí, Karen? – um som estranho, de algo caindo, se fez ouvir – Alô! Karen? Caralho, Karen, responde!!! Porra! – virou para o colega mais próximo e ordenou que continuasse tentando acionar Hedomon e Edilton. – Eu vou atrás daquela maluca.

Confirmou que a arma estava carregada, por via das duvidas levou mais um ou dois pentes cheios. “Só pro caso de precisar” dizia a si mesmo, na vã tentativa de se convencer que tudo ficaria bem sem precisar recorrer a isso.

***

– Merda, merda, merda, merda...

Karen não parava de repetir enquanto olhava para os lados, tentando descobrir o que fazer. A chamada tinha sido finalizada, o barulho ainda estava longe o suficiente pra saber que tinha vantagem se tentasse fugir, embora não soubesse exatamente quanta. Foi até Tatiana, analisar os danos. Ela tinha pulso, embora não muito forte, e respirava. Já era algo bom, pelo menos estava viva. Estavam em pleno escuro, o que não facilitava muito para enxergar, mas pôde notar que – apesar do tanto de sangue – o ferimento não era tão grave. Pelo menos aparentemente.

– Acorda... Tatiana, acorda... – falava baixo, perto do ouvido dela, enquanto chacoalhava seu braço – Por tudo de sagrado, acorda!

Começava a se desesperar. O que quer que fosse aquilo, já devia estar sentindo o cheiro ferroso e viria por elas. A jovem se mexeu levemente e Karen deu graças aos céus. Começou a chacoalha-la um pouco mais forte até ver seus olhos se abrindo. O que aconteceria com ela depois era um mistério, não sabia se tinha algum ferimento interno ou algo perigoso, mas naquele momento não importava. Tinham de sair dali, não poderia deixa-la para trás.

– Vem, tem alguma coisa atrás da gente, temos que ir depressa. – começou a puxa-la enquanto, desorientada, Tatiana tentava se erguer.

– O que... houve? Eu... – levou a mão até a nuca, que doía como o inferno, e sentiu algo molhado. Ao levar a mão até bem perto dos olhos deu um grito. Karen se apressou em tapar sua boca.

– Você tá louca? Quer nos foder de vez? – Karen disse baixo, mas fora de si, num misto de pavor e raiva – Eu te digo que tem algo atrás de nós e você grita? Como se o nosso sangue já não fosse suficiente pra isso nos achar. Cala essa boca e vem logo, antes que não tenhamos mais nenhuma chance! Vem, eu te ajudo.

Começaram a caminhar no passo que conseguiam. Karen apoiando Tatiana – a bem da verdade, praticamente a arrastando –, sempre tentando se certificar de que não havia nada por ali. O barulho tinha sumido e aquele silencio a preocupava. Alcançou o celular e andou apenas mais o suficiente para um pino de sinal, então novamente chamou Emanuel.

– Emanuel, cadê você? Eu te falei que a moça ta machucada, eu to precisando de ajuda! – Karen havia deixado Tatiana sentada na raiz de uma arvore e começou a caminhar enquanto falava. Estava tão tensa que não conseguia ficar parada. Ficou em um vai e vem quase hipnótico, a cada ida e volta se afastava um pouco mais do ponto de partida.

– Eu já te falei que aqui tá complicado! Tu é surda ou o que? Não dá pra eu largar toda essa merda nas mãos de estagiários imbecis e novatos. Alguém tem que cuidar dessa zona. – o delegado respondeu, com raiva.

– Ah tá. E pra eles não ficarem sozinhos nós é que ficamos, né? – “Boa, chefe! Continue assim... Seu Filho duma...” seus olhos se arregalaram e em seu pensamento mal pôde terminar de formular aquele e todos os outros xingamentos destinados ao patrão. Sentiu uma mão invisível apertando sua garganta: eram as lagrimas, que a sufocavam, buscando um caminho até a saída. O celular escapou de suas mãos e foi ao chão, quicando até próximo ao corpo que estava estirado – motivo de sua agonia.

– Edilton... Não... – balbuciou. A voz de Emanuel ainda ecoava no celular, mas Karen já não o ouvia. Abaixou-se e checou os sinais vitais e, como já esperava, os encontrou a zero. Foi até Tatiana. Precisavam sair dali. Ao chegar encontrou a moça chorando.

– É tudo culpa minha... Se eu não tivesse ido lá falar com ele... Com ela... Com aquela coisa! Eu nunca devia ter ido la... – parecia em choque, falando sozinha diversas coisas que a investigadora não conseguia entender. Seu olhar permanecia vidrado à frente – Mas você também teve culpa! Se não tivesse decidido fugir assim sem avisar isso jamais teria acontecido! E agora? Como vou explicar isso pra mãe e pro pai? Porra Lais, por que você me forçou a fazer isso?

– Fazer o que? – algo naquela frase gritou na mente de Karen – Fazer o que, Tatiana? O que você fez? – ela apenas repetia “Por quê? Por que me forçou a fazer isso?” e a mulher a chacoalhou desesperada, exigindo uma resposta.

Mas Tatiana se calou. Ela observava algo atrás de Karen e seus olhos se arregalaram em profundo pavor. Karen se virou lentamente – o cheiro e o barulho estavam mais fortes, o que significava que o monstro estava ali. Elas perderam tempo. E agora pagariam por isso.

Havia um bicho enorme observando as duas, urrando para o céu escuro como o lamento de um animal ferido. Ele possuía pelos vermelhos, longas garras e – agora sim aquilo fazia um terrível sentido – pés virados ao contrário. Porém, o mais impressionante era mesmo uma bocarra gigantesca bem no estômago da criatura, que se abria e fechava, mostrando dentes afiadíssimos.

- CORRE! – Karen gritou, esquecendo toda a prudência. Ela puxou as mãos de uma catatônica Tatiana, que a acompanhou primeiramente aos tropeços, mas depois o próprio medo a recompôs e as duas corriam lado a lado, desesperadas. Era uma corrida inútil, porém, já que o monstro tinha pernas muito mais longas que as duas e elas sentiam o cheiro horrível que emanava dele, como o de um gambá. Aquele cheiro atordoava seus sentidos, e Karen já estava sentindo a mente obscurecida, como se estivesse envolta em sombras quando viram um menininho no meio da mata.

- Venham aqui! – ele disse. – Por aqui!

Sem alternativa melhor, as duas seguiram o garoto. Ele estava montado em um porco do mato e seguia rapidamente pela floresta, como se a conhecesse muito bem. À primeira vista, parecia um menino normal, exceto que usava tangas como se fosse o Tarzan ou algo do tipo.

- Essa porra não faz mais sentido nenhum. - Karen disse mais para si mesma do que para qualquer outro, porém surpreendentemente Tatiana respondeu.

- Não. Agora sim está fazendo sentido. E a culpa é minha.

Ainda sentiam o cheiro do monstro atrás delas, derrubando árvores, deixando um rastro de destruição na mata. O garotinho continuava correndo pela mata até que encontraram um rio enorme. O menino parou e apontou para ele.

- Vão! Nadem. Não deixem a margem do rio. Nadem!

- O quê?! – Karen exclamou. – Nadar? Por quê?!

- Aquele monstro não poderá nos perseguir na água. – disse Tatiana e agora era ela quem puxava a mão de Karen. – Vamos, quem sabe a gente ainda consiga sobreviver. – ela se virou para o menino. – Obrigada... Caipora.

O menino sorriu largamente. Karen foi logo à procura dos pés do garoto, porém eles não eram virados para trás. Pelo menos o Caipora ela conhecia, mas aquele menino parecia normal, apesar de excêntrico. De qualquer maneira, aquilo tinha que ficar para outra hora. Karen também acenou com a cabeça, agradecendo, e as duas pularam nas águas frias do rio. Enquanto a correnteza as conduzia, as duas observaram o monstro alcançar a margem do rio. O garoto já tinha sumido. O monstro urrava e gritava, mas não estava sozinho: havia alguém próximo a ele, como uma sombra.

- É ela... – Tatiana murmurou. – Ela está aqui.


[Continua...]

PS.: Me sinto muito feliz de poder fazer parte desse projeto, e agradeço à Karen Alvares por ser minha parceira nesse momento tão decisivo da historia. Aproveito e deixo meu agradecimento especial aos leitores, que tem sido compreensivos com nossos pequenos percalços e continuam nos acompanhando sempre.

terça-feira, 23 de abril de 2013

Inspiração.

Por: Franz Lima.
Eu escrevo. A caneta flui em minha mão com uma velocidade incomum. As ideias também fluem, deixando-me desnorteado. Mas não há a menor possibilidade de interromper essa atividade. Nada poderá interromper esta missão. Nada.

Meses atrás eu vagava por entre viadutos, inconformado com a vida. Meu estômago vibrava - literalmente - com a fome. Minha pele suja era uma clara indicação de que meus dias se passavam nas ruas. Essa era a sina de um catador de lixo, um mendigo. Como cheguei a esse ponto? Acredite, isso é irrelevante. Porém garanto que irá querer descobrir como saí. Sim, você irá...

Promoção: concorra ao filme 'O Pacto dos Lobos' + HQ Batman - Cavaleiro das Trevas 2

 PROMOÇÃO E NOVIDADES

Olá, amigos do Um Ano de Medo. Estamos atualmente passando por um breve reformulação. A autora Tatiana Ruiz é a nova escritora das quartas-feiras em substituição ao Edilton que, por motivos particulares, encontra-se impossibilitado de colaborar conosco. 

Mas continuamos nos esforçando para atender sua sede de sangue e medo. 

A boa nova de hoje fica por conta da primeira promoção do blog. Os prêmios? Bem, que tal um DVD com o clássico filme de terror e ação 'O Pacto dos Lobos' e também as 3 HQ que integram Batman - O Cavaleiro das Trevas 2, de Frank Miller?


Para concorrer é muito simples. Siga o blog através do twitter @umanodemedo e faça seu comentário nest post contando-nos o que mais gosta e o que menos gosta no Um Ano. Fácil, não? 

O resultado sairá no dia 15 de maio. Mas lembre-se que é obrigatório tecer seu comentário (com conteúdo) para efetivamente concorrer, além de ser um seguidor do Um Ano. 



 

domingo, 21 de abril de 2013

Acenda-me



Não poderia mais negar o fulgor de minha paixão por ti. Desde tenra idade, em nosso primeiro encontro, meu coração é vosso devoto.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Nas Cidades da Noite (I)

A coisa se contorceu e grunhiu quando despertou. Naquela viela escura e imunda, dormira pelos últimos quatro dias. Uma verdadeira proeza. Contudo, dormir afastava o frio, a dor e a fome...

Até agora.

Por isso, ergueu-se da sombra e, como sombra, moveu-se. Precisava saciar seu desejo antes que não tivesse forças para nem mesmo andar. Deveria encontrar algo ou alguém... E logo. Não aguentava o rugido constante em suas entranhas. Cambaleando, saiu da escuridão total para a noite, e foi logo ofuscado. Odiava o contraste luminoso que dominava a hora. 

Com a visão embaçada, avistou um alvo e, deixando um rastro de muco e sujeira em seu caminho, começou a perseguição. Já estava se deleitando com a expectativa.

terça-feira, 16 de abril de 2013

Ouço.


Por: Franz Lima.
Qual o som do silêncio? Esta pergunta sempre ronda os que amam Alan, nascido como surdo-mudo. Ninguém jamais ouviu um som sequer vindo dele. Ele também jamais ouviu um único ruído. Mas havia algo que o fazia se tornar uma pessoa diferente: sua beleza.
Desde pequeno o menino destacou-se por uma face quase angelical. Olhos de um azul muito claro, rosto perfeito e um sorriso que cativaria até o mais nefasto dos seres humanos. Não havia como não amar aquela criança e foi assim que o menino cresceu e transformou-se em um homem.
Mas não há como narrar essa história sem destacar que o homem foi moldado à base de muita malícia. E o que poderiam esperar as pessoas de um indivíduo que teve tudo por ser 'especial'? Usando sua limitação física, Alan cresceu como um manipulador. Ele obtinha tudo que desejasse, bastando apelar para sua condição de surdo-mudo. Diante das pessoas, não ouvir ou falar eram condições torturantes, algo próximo do sofrimento absoluto e, por isso, todos faziam o máximo para agradar a criança. 
O pai do jovem foi o principal responsável por essa involução. Joaquim cobriu-o de presentes, fez todas as suas vontades e jamais lhe disse um único não. Negar algo para Alan era inconcebível para seu pai.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Sheol Tehilim 23


A morte é meu destino, nada me salvará

Deitar-me faz em trem nefasto,
guia-me em turbulência a dura armadilha.

Dilacera a minha alma;
Guia-me por caminhos de carniça,
Por calor sede e fome.

Ainda que andasse pela vila da vida e da sorte.
Temeria a todo mal,
Porque tu estás comigo.
A tua foice e teu hálito me provocam.

Preparas uma cova perante mim na presença dos meus inimigos.
Enches a minha cabeça de ódio
Contra épica horda.

Certamente que a fúria e seu furor me seguirão todos os dias da minha  vida
E morrerei nas mãos do ceifador
E habitarei no inferno por longos dias.

sábado, 13 de abril de 2013

A Juíza.

Por: Franz Lima.
          
           Lábios frios, qual o motivo que tens para tocardes os meus?
Sois vós os caminhos por onde passam palavras duras, tão cortantes quanto o fio de uma espada, que me atingem sem levar em conta os resultados.
É justamente de vós que tirei os mais intensos momentos de prazer e, em oposição, o mais puro pesar.
Falastes em amor como nunca fora antes dito. Havia verdade em tais sons... o que fiz para que mudasses tanto?
Distante é o tempo em que duas almas se conheceram. Quis o destino que assim fosse, sem considerar as prováveis conseqüências.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

A Vingança de Kali - Parte Cinco


Tatiana abriu a porta e deu de cara com uma mulher jovem, porém com o rosto tão cansado que aparentava vários anos a mais. O coração de Tatiana saltava no peito: ela não abriria a porta de sua casa para uma estranha qualquer, mas a mulher disse que era da polícia e que precisava muito falar com Tatiana.
- É sobre sua irmã, Laís. – ela disse. Não foram as credenciais que a mulher apresentou ou a palavra “polícia” que fizeram Tatiana abrir a porta. Foram essas últimas palavras.
- O que aconteceu com a minha irmã? – Tatiana perguntou sobressaltada. Pensou em muitas coisas. Pensou no bolo de dinheiro, no lenço, no sorriso com dentes podres daquela vidente e na imagem na parede daquele lugar, aquela imagem da mulher azul com uma saia de braços e um colar de crânios.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Um Olhar no Inferno



– Ah! Não! Mãe!


– Vamos Carlos, deixa de frescura. Você sabe que não enxerga bem! Precisa usar óculos e usará! - Ele era um menino manhoso, irritado e terrivelmente disperso nas aulas, foram estes os sintomas que levaram a professora e a mãe entrar num consenso de que alguma coisa estava errada com o garoto: Ele não enxergava bem. – Agora vai se arrumar que eu vou te levar até a ótica fica a umas dez quadras da escola, você pode ir à pé que eu já estou atrasada. 

– Mãe... Eu não quero usar óculos.

– Moleque, vai se arrumar agora. Senão... – O olhar da mãe disse tudo ao garoto de 12 anos, mesmo sendo bagunceiro sabia que encarar a mãe naquele humor era ameaçar a morte. Ele botou a camiseta cinza com o logotipo de estado de Minas Gerais no peito, uma calça azul tristeza e penteou o cabelo com as mãos. Escovou os dentes apenas por quê a mãe lembrou e entrou no Uno quadrado.

O menino se assustou com o lugar em que a mãe o levara. Era um bairro escuro e mofado, com cheiro de naftalina e sangue. Talvez do açougue na esquina, talvez de algo oculto em uma das casas pichadas com um simbolo estranho e quase antiquado. Apenas de olhar a estrela, os chifres e tridentes adornados com um círculo seu coração já disparou e o sangue correu mais rápido, esquentando e colorindo as bochechas imaturas e gordas.

sábado, 6 de abril de 2013

O Arauto da madrugada



Por: Andre Cordenonsi

            O choro invadiu a madrugada, alto, histriônico, arrancando o parco descanso do pai que correu até o quarto do filho, em uma cena que se repetira nos últimos meses. Ali, agarrou o bebê de sete meses, embalando-o com uma canção de ninar tão fraca e desconexa quanto os seus pensamentos. O cérebro embotado não se lembrava da letra, tampouco a melodia e foi muito mais pelo aconchego que o bebê voltou a adormecer, embalado nos braços mirrados do pai.
            Ao longe, no quintal do vizinho, um galo cantava novamente, fazendo com que o bebê fechasse os olhos com força e arrancando um suspiro irritado do pai.
            “Maldito galo!” – pensou com toda a força do seu pensamento, a mente subitamente desperta pelo animal desgraçado que estivera acordando o seu filho, todas as noites, nos últimos meses.
            Por um momento, ele não se segurou e a sua mente irrompeu em pensamentos numa enxurrada que desencadearam as lágrimas quentes nas suas faces ressequidas. A preparação pela chegada do filho, a aquisição da casa nova, longe do centro, em um subúrbio afastado, a decoração do quarto. Tudo aquilo desaparecera como uma cortina de fumaça numa noite distante.
A mulher acordara aos berros, banhada em sangue; a bolsa irrompera, mas havia algo errado. A casa, afastada do barulho do centro da cidade, de repente se tornara uma armadilha. Nunca as estradinhas empoeiradas se pareceram tão longas quando aquela noite, com os gritos da amada a lhe corroerem as entranhas enquanto o carro voava pelos pedregulhos até a avenida principal que os levou ao hospital.
Tinha sido em vão. Ela se fora momentos antes do marido irromper pela recepção.
Restara-lhe o filho, salvo a duras penas pelos médicos. Os primeiros dias foram como um borrão; tinha parcas lembranças daquele tempo que passou como uma procissão de faces com olhos borrados, apertos de mão frios e palavras sem sentido. Quando se deu por conta, estava de volta a casa, com uma velha ama dormindo no escritório; uma senhora já de idade, severa e de modos eficientes, recomendada pela irmã da sua esposa. Ele não tinha certeza se ela estava ali para tomar conta dele ou do seu filho, mas sua mente aceitou a situação da mesma forma como aceitara todo o resto. Resignado. Indiferente.
As semanas passaram, uma a uma. Ele voltou a trabalhar e o simples fato de sair de casa desembaralhou o seu cérebro. Ainda se pegava chorando na cama, mas se acostumara rapidamente com o filho. Agora, passava horas brincando com o bebê, que parecia feliz com ele, mas que chorava desesperadamente ao ser deixado com a ama. Aquilo o deixou consternado. Depois, preocupado. O que acontecia enquanto ele estava fora? Porque a ama encarava o bebê não com os olhos de alguém que se importava, mas de quem tinha medo?
Este sentimento o atormentou por semanas. Aconselhou-se com os amigos. O que poderia fazer? Mude seus horários, sugeriram.
Ele gostou da ideia. Uma tocaia. Uma chegada inesperada.
No outro dia, logo após o relógio marcar às quinze horas, ele retornou para a casa. Ele girou a chave na fechadura com cuidado e abriu a porta. A cena em sua sala escurecida pelas cortinas cerradas até hoje ainda lhe perturbava a mente.
A ama havia retirado o casaco cinza e a saia reta e trajava somente um camisolão vermelho sobre o corpo branco. No chão límpido, uma estrela de cinco pontas havia sido traçada com as cinzas da lareira. Em cada uma das pontas do pentagrama, uma vela colorida irradiava o seu brilho fugidio. No centro, o bebê, nu, chorava descontroladamente enquanto a ama gritava e dançava como que possuída por uma entidade demoníaca.
O pai gritou e seu urro foi mais forte do que a dor que lhe partira o coração meses atrás. Pega de surpresa, a ama deu um passo para trás, cambaleante. Ele foi até a frente, derrubando as velas e esparramando o pó cinza com os passos apressados. Em segundos, o bebê estava em seus braços, soluçando com seus grandes olhos azuis fechados. O pai o abraçou com força, sentindo cada nervo do seu ser clamar por vingança, o ódio escorrendo pelos poros como suor em um dia escaldante.
Quando ele se virou para a ama, ela já recolhera sua bolsa e suas roupas. Ele tentou dizer algo para ela, mas as palavras haviam se trancado em sua garganta. Não havia o que falar para um ser tão abominável.
- Roanoke! – sussurrou ela a uma distância segura – Roanoke não irá embora por vontade própria!
O pai tentou avançar contra aquele ser demente, mas antes que pudesse se dar por conta, a ama saiu porta fora, correndo pelo jardim e desaparecendo nos terrenos baldios que cercavam a propriedade. A polícia foi chamada, a casa da senhora foi revistada, mas nada foi encontrado. Ela desapareceu, abandonando para sempre o pai horrorizado e o seu bebê.
Fora difícil se recuperar deste segundo baque. Depois pelo que passara, prometeu não deixar mais o filho sozinho com quem quer que fosse. Após uma longa negociação, conseguiu um acordo para trabalhar em casa, com uma considerável redução em seus vencimentos. Aquilo não lhe importava; tudo o que ele queria era ficar de olho no filho. Ele contratou outra babá, uma garota jovem e meio histérica, que ria sem parar das macaquices do garoto. Mesmo assim, ele não tirava os olhos dela e do filho..
À noite, porém, o garoto passou a ter pesadelos. Histérico, o garoto acordava gritando alto e soluçando como se alguém o açoitasse. Por algum tempo o pai achou que aquilo era um reflexo da maldita experiência que o bebê tivera com a ama, mas, depois de alguns dias, ele percebeu que o cacarejo de um galo das vizinhanças precedia o choro do filho. Todas as noites, exatamente às quatro da manhã, o bicho gritava para os seus, arrancando o bebê dos braços do sono e irrompendo a madrugada com a força dos seus pulmões.
Os dias se transformaram em semanas e as semanas, em meses. Ele tentara falar com o vizinho, mas o granjeiro pouco podia fazer. Afinal, precisava do galo para a produção dos ovos. Ele vai se acostumar, dissera com um sorriso tímido. O garotinho só precisa de um tempo.
Mas a situação piorava a cada dia. O galo passou a cantar duas, três vezes por noite. O garoto se tornou arredio e brigão e a exaustão do pai não melhorava em nada a situação familiar. Sua produção caiu e, agora, perdia horas se explicando para os chefes. O bebê comia pouco, perdendo peso de forma assustadora. As brincadeiras da babá já não faziam efeito e uma atmosfera depressiva tomara conta da casa, como se uma nuvem negra houvesse pairado sobre o lugar.
O pai, que ainda balançava o bebê enquanto estas recordações o atingiam, largou o garoto de volta ao berço. Com os pés arrastados, ele voltou para a cama, olhando para o relógio. Duas da manhã. Aquele tinha sido o primeiro canto. Pelo menos mais duas vezes o galo irromperia na madrugada. Com as pálpebras pesadas, ele cerrou os olhos, adormecendo logo a seguir.
Ele acordou com o sol a lhe perturbar os olhos ressecados. Zonzo, ele demorou a reconhecer que estava na própria cama. Soltando um grande bocejo, consultou o relógio da cabeceira. Oito e trinta.
Aquilo o despertou na hora. Deixando os lençóis para trás, ele foi com os passos rápidos até o quarto do garoto, escancarando a porta. Por muito pouco ele não vomitou; seus joelhos dobraram e ele se viu agachado no chão.  Pelo quarto, penas negras balançavam na brisa da janela aberta. No chão, as vísceras do galo estavam espalhadas em um círculo onde o filho repousava tranquilamente. Na parede, uma única palavra, escrita em sangue.
Roanoke.
* Professor e escritor, Andre atua nos sites azcordenonsi.com.br e duncangaribaldi.com.br

quinta-feira, 4 de abril de 2013

terça-feira, 2 de abril de 2013

Livro vermelho.

Bloqueio. 
Não consigo pensar em outra palavra. Parece que minha mente está infectada por um vírus que nubla meus pensamentos, minha criatividade. São meses sem produzir nada. Passos horas em frente ao computador, apenas tateando o teclado, mas, invariavelmente, o cansaço me vence.
Como reverter um apagão mental? Como recuperar minha escrita? As contas começam a acumular e eu não sei - literalmente - o que fazer. Escrever é minha profissão. Logo, estou desempregado.
Viajei, isolei-me e li outros autores para buscar uma ideia, por menor que fosse. Tudo em vão.
Entretanto, não foi apenas a inspiração que sumiu da minha vida. Meu marido não suportou tantos meses de stress e reclamações. Eu virei uma bruxa para ele e isso me custou o casamento. Agora, sem muito a perder, vou recorrer a tudo que me resta para recuperar as letras e a dignidade. Custe o que custar.
Eu voltarei a escrever...

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Sozinho


Em memória de Katiely - Manda um beijo pro pai!

Meia noite de um domingo qualquer. Fumo um cigarro qualquer e viro um copo de Scotch com apenas um único e solitário gelo. Admiro com ódio um quadro de Nova York onde a multidão de táxis amarelos admira a Marilyn Monroe e a Estátua da liberdade. Há um contraste tão grande no que sou e no que quero ser. Diante dessa multidão sou apenas como aquele pequeno gelo derretendo no copo.

Verto o restante da água derretida deixando parte do gelo. Levanto-me para ir para a cama, mas o álcool não deixa. Antes de atravessar a sala caio de bruços no chão e sinto o coração gelar. Uma pequena dor rasga meu peito e encosta gentilmente no órgão vital. Estou tendo uma parada cardíaca.

Ainda com dor e sentindo o braço esquerdo tilintar um formigamento incomoda, viro-me para golar umas doses de ar. Estou sozinho em casa sentindo a vida escapar pelos dedos como a areia ou água  tanto faz o clichê. O que importa é que preciso de ligar urgentemente para a emergência. Minha vida precisa disso.